Da série, relatos profissionais: Sobre resistência das mulheres pretas e a retórica "emponderada" que não dialoga.



Hoje durante um dos atendimentos que fiz, atendi mãe e filho (Adolescente de 17 anos sem o nome do pai na certidão pois o mesmo faleceu quando sua mãe ainda estava grávida de um mês - já estamos encaminhando isso)
Para quem não sabe, em  março fará um ano que trabalho em CREAS - Centro de Referência Especializado de Assistência Social- e atuo mais especificamente como MSE- Medida SocioEducativa, nas modalidades de LA- Liberdade Assistida- e PSC Prestação de Serviço Continuado.

Durante o período mínimo de 6 meses, podendo ser prorrogado ou não, atendendo e acompanhando aos adolescentes (em sua maioria meninos) e suas famílias (em sua maioria mulheres, mães, avós, tias e ou irmão maiores).

Poderíamos discorrer sobre esse lugar delegado à mulher , o lugar do cuidado e etc, mas não é esse foco aqui, apesar de atravessar a conversa.

Voltemos a caso.

Adolescente João ( nome fictício) 17 anos, envolvimento com tráfico ,estando a apenas duas semanas trabalhando no tráfico "rodou".
Ficou privado de liberdade 28 dias e em audiência foi concedido a  LA e PSC.
Dandara (nome fictício) 30 anos, 4 filhos sendo João o mais velho. Trabalhava, mas após o ocorrido com o filho resolveu largar o emprego para acompanhar mais de perto o adolescente.

Costumo atender responsável e adolescente juntos, após peço que uma das partes se retire e parto para os atendimentos individuais, não há regra de quem é primeiro, tudo   depende do desenrolar.

Mãe e filho demonstravam uma sintonia bem interesse e o adolescente aparentava ter respeito e admiração pela mãe.

Durante o atendimento conforme Dandara foi se abrindo ela falou da relação com João, de como a apreensão caiu feito uma bomba e da culpa que sentia (estamos desconstruindo isso) Mas foi enfática em dizer:

"- Crio meu filho para saber se virar, em casa ele tem tarefas as responsabilidades dele. Cada um tem (se referindo aos outros 3 filhos, sendo 2 meninos e 1 menina).
Já falei que comigo não tem essa de que é homem não! Todos usam a casa todos precisam conservar.
Crio ele para ele saber que ele não é melhor que as mulheres em nada, que tem que respeitar para ter respeito. Que amanhã ou depois, esposa não vai ser empregada dele não."

Seguimos o atendimento, tratamos de outras coisas.... solicitei que Dandara saísse e chamasse João.

João, como boa parte dos adolescente retorna à sala de atendimento como ar reativo e desconfiado. Não o culpo, depois de quase um ano já entendi que esse comportamento é um padrão... eles não sabem com é a dinâmica do CREAS, precisam me conhecer estabelecer o vínculo.

Seguimos o atendimento.. mas a fala da Dandara martela na minha cabeça, dou voltas e consigo chegar no ponto relação  e dinâmica familiar....

João repete as falas da mãe com suas palavras, diz:

"- Eu sei me virar, minha mãe me criou pra isso. Não depender de ninguém ,mas principalmente não explorar mulher.
Ela sempre diz que mulher não é empregada só pelo fato de ser mulher, então tenho que saber me virar"

Pergunto... mas isso é tranquilo para você?

"-Uê! se eu sujei e tenho mão por qual motivo não posso lavar?"
Se minha mãe trabalha e tô em casa por qual motivo não auxiliar?
Na moral, entendo esse povo não , ou eu que sou todo errado (rs)"

Seguimos o atendimento....

Amores essa historia toda é para dizer que se pá Dandara nem se acha feminista, se quer sabe da 1°,2° ou 3° onda feminista... ou que há divergências bizarras nesse bolo.

Mas Dandara faz algo muito bem feito, intervém na realidade.

Me perguntei:
O quanto nosso discurso  (de modo amplo) de fato atinge a classe?
Muitos já fazem na vida o que teorizamos e temos a audácia de dizer que precisamos ensina-los.
Talvez precisemos mesmo é aprender..

Relatos de uma assistente social que hoje trabalhou pacas, mas saiu do trabalho bem feliz e elaborando muitas coisas.
30 de Janeiro.

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